Reflexão

MARIA, UMA HISTÓRIA PARA REFLETIR

Linda história para refletir, enviada pelo leitor Americo Queiroz Jr. Quer ver o seu conteúdo no Refletir? Então envie suas criações para nós clicando aqui, elas podem ser selecionadas e publicadas no site.

 

Parada diante da janela, à espera de um amor. Assim eram os dias de Maria…

Desde menina, Maria aprendeu a trabalhar na terra de seus pais e a sobreviver com o pouco que conseguiam.

Vivenciou as dificuldades enfrentadas por aqueles que dependem da chuva e convivem com a seca o ano inteiro. Precisava ajudar seus pais, sabia disso, fazia de tudo de bom grado, sem essa ajuda seus pais não conseguiriam o sustento tão necessário.

No início das tardes, Maria seguia para a escola, queria aprender a ler e a escrever, seu pai nunca concordou com a ideia, achava um desperdício de tempo, mas sua mãe pensava o contrário, sempre insistiu na educação da única filha, sonhava em dar a Maria um futuro diferente e isso incluía vê-la doutora em letras.

Diariamente, Maria fazia uma longa caminhada até chegar ao seu destino…. As poucas árvores que surgiam no caminho, não eram suficientes para amenizar o calor do sol que insistia em queimar a sua delicada pele.

Haviam poucas oportunidades onde morava, ela sabia, por isso aproveitava cada minuto com a sua professora para aprender cada vez mais.

Todos reconheciam o esforço da menina, os poucos momentos que lhe restava do dia eram dedicados aos seus estudos.

Considerada por todos uma aluna exemplar e muito comprometida, acabou se destacando nos estudos, tornando-se o maior orgulho da sua mãe e da sua professora.

O seu grande sonho sempre foi crescer e ensinar aos que sabiam menos. Seu bom e generoso coração nunca conheceu os perigos do mundo e os dissabores que a vida e o amor se encarregariam de lhe apresentar. Apenas viveu um dia de cada vez, sem a opção de fugir de um triste destino que a esperava.

A medida que crescia, tornava-se uma linda mulher.

Nunca deixou de cultivar a bondade em seu coração, todos admiravam a gentileza e atenção que doava para aqueles que pediam o seu favor.

Teve poucas ambições na vida. Pensava em viajar pelo mundo e quem sabe ser alguém que nunca imaginou ser, mas logo desanimava…, talvez a vida não a quisesse pronta para o que existia além daquele pequeno lugar.

Maria sentia que o tempo caminhava apressado, aos poucos foi trocando alguns livros que possuía pela enxada e outras ferramentas utilizadas por seu pai na agricultura.

Com muita dificuldade, aprendeu a ler e a escrever, sabia que era uma grande conquista para alguém em sua condição. Como um dia sonhou, não se formou professora.

Envolvia-se cada mais nos afazeres domésticos, hoje suas prioridades consistiam em cuidar do seu velho pai, que vivia para o trabalho, e prover uma digna e merecida assistência à sua frágil mãe, que há muitos anos sofria em cima de uma cama, acometida de uma grave doença.

Descobriu cedo que é preciso sacrificar algumas coisas em função de outras. “Alguns sonhos não devem ser sonhados”, era o que dizia para si. Aprendeu a não cultivar sonhos, pois todos eles acabariam aonde começaram, em lugar nenhum.

Seguindo sua vida, viveu um dia de cada vez, sem a opção de fugir de um triste destino que a aguardava.

Longe dali uma figura traiçoeira fugia das suas numerosas vítimas. Seus credores haviam jurado acabar com sua vida se não fossem indenizadas por seus danos.

E mais uma vez, acostumado com uma vida de trapaças e fugas, Severino deixaria para trás outra cidade saqueada por suas falsas promessas. Mas nem sempre foi assim…, para sobreviver aprendeu cedo a arte da enganação. Nunca contou com a gentileza e o bom grado de ninguém em sua breve caminhada. A lembrança do dia que decidiu agir com honestidade havia se perdido.

Hoje fazia parte do seu ofício, e apenas isso importava, manter-se vivo à custa da ingenuidade de quem atravessasse o seu caminho. Após vários dias de fugas e perseguições, sozinho e com fome, foi no sítio do sr. Francisco que Severino pediu amparo.

Francisco, pai de Maria, percebeu que havia algo de errado em Severino, porém, tendo ele feito a proposta de trabalhar por um tempo em troca de um prato de comida e abrigo, acabou por aceitar a oferta e decidiu ajudar. Maria já estava muito cansada com o peso da rotina e ele já estava velho para alguns serviços, alguém jovem e forte para o trabalho era bem-vindo. Além disso, permaneceria alerta com o rapaz, se ele não ‘andasse nos trilhos’, o mandaria embora.

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Sonhando viver um conto de fadas, Maria achou graça nos gracejos de Severino. A troca de olhares e sorrisos, o charme e a cordialidade do farsante, atraíram o puro coração de Maria para algo que nunca imaginou viver – a paixão.

Sentiu medo de si mesma, pois nunca conhecera tal sentimento. Perguntava-se o que um homem tão vivido e conhecedor de um mundo inteiro procuraria em alguém simples e despreparada como ela. Recusando o medo que afastava o seu desejo, decidiu arriscar.

Entregou-se ao aconchego dos braços daquele homem, não notou o momento em que virou presa fácil de um sentimento arrebatador.

Deixou-se levar… Maria, que nunca conheceu um homem, naquela noite iluminada pela lua, descobriu-se mulher. E quando as coisas pareciam mudar para melhor…

Os dias se passaram, Maria já não se lembrava da menina que um dia foi. Esperava ansiosa pelo dia em a promessa do seu grande amor se realizaria em sua vida – o dia em que sua mão seria pedida ao seu pai em casamento.

Os negócios iam bem para o sr. Francisco, ao invés de investir em mais terras, decidiu separar uma parte do dinheiro que sobrava para dar um pouco mais de conforto e segurança à sua família, que há muito tempo não desfrutava de um merecido descanso.

Além disso, sabia que precisava fazer reservas para o dia em que partisse. Não desejava que Maria ficasse completamente desamparada, quando a hora chegasse.

Então fez para si um cofre, escondeu de todos inclusive de Maria e da esposa sua localização. A princípio a ideia lhe pareceu meio absurda – guardar apenas para si tal segredo – mesmo assim ele fez.

O sr. Francisco não contava com a esperteza e malícia de Severino, que seguia seus passos à noite e descobriria sobre a localização do cofre protegido pelo ele.

Severino foi então ao encontro de Maria e revelou o que descobriu, depois de muita insistência acabou por convencê-la a persuadir o pai a revelar o segredo de seu cofre, argumentando que um homem tão velho poderia morrer de uma hora para outra ou mesmo se esquecer o tal segredo, Maria acabaria desamparada.

Maria sentiu preocupação nas palavras de Severino. Se seu pai morresse, como se sustentaria? Atenta aos conselhos do seu amado, Maria descobriu o segredo do cofre do seu velho pai e em seguida o revelou à Severino, que prometeu ajudá-la no que fosse necessário. Juntos abriram a caixa-forte, admiraram-se com o que viram, cobriram todos os rastros da sua passagem por ali e partiram.

Maria sentiu-se mais segura em saber que se algum mal se abatesse sobre o velho pai, não ficaria completamente desamparada.

Mas uma vez, os olhos de Severino se encheram de cobiça e ganância. Aproveitando um dia em que o sr. Francisco recebeu alguns parentes, que há muitos anos não reencontrava, pediu a mão de Maria em casamento. Uma grande alegria invadiu aquele lugar. O sr. Francisco casaria finalmente a sua filha com alguém que o tempo e a convivência provaram merecer o título de filho.

Um pequeno risco marcava o dia tão sonhado nos calendários espalhados pela casa. Os mais próximos, ajudavam Maria nos preparativos do casamento.

Apensar de alguns acharem o casório muito apressado, Maria não se importou. O noivo insistia em oficializar o matrimônio o quanto antes, e dizia a todos: “os Santos da Igreja abençoariam tal união”.

Maria estava radiante no dia do seu casamento, todos os convidados comentavam a alegria daquela família.

Recentemente Maria havia perdido a sua amorosa mãe, os poucos amigos e vizinhos que conheciam sua história acompanharam a dor e o sofrimento de um pai e sua filha.

Por um breve momento Maria sentiu vontade de chorar ao lembrar de sua mãe, desejou vê-la sentada em uma das cadeiras, pensou que se ela estivesse ali sua felicidade seria completa.

Sempre soube que não poderia ter tudo, mas desejava profundamente ter sua mãe ali do seu lado.

Decidiu que aquele dia não seria marcado por más lembranças. Se chorasse, seria de alegria, porque estava realizando um grande sonho. À espera de um noivo, Maria dava as boas-vidas aos convidados. Mais cedo, Severino havia ido à cidade, a pedido do pai, para apanhar uma encomenda, mas não deveria demorar tanto.

Procurou pelo pai para saber de Severino, mas também não o encontrava. Maria se preocupava cada vez mais com o sumiço dos dois. A festa já deveria ter iniciado, pensava. O que será que aconteceu?

De longe, ouviu-se um forte gemido, todos correram para a casa, o sr. Francisco estava caído no chão com uma expressão de desespero e terror. Sua vida só durou minutos suficientes para revelar a Maria que seu cofre havia sido roubado.

A festa acabou sem mesmo ter começado. Um grande pranto caiu sobre todos presentes. O sr. Francisco foi um dos homens mais honestos e respeitáveis daquele lugar, não merecia um golpe tão forte. “E agora, como ficará Maria?”, todos se perguntavam. O dia separado para ser o mais feliz da vida de Maria se transformou no mais doloroso de todos. Julgou-se responsável por toda aquela perda. Sentiu vergonha, culpa, medo e dor. Foi enganada. Teve sua vida roubada por alguém que um dia confiou.

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As amarguras de uma vida inteira perseguiram Maria. Sentia-se como um passarinho que quebrou suas asas ao tentar voar. Não sabia o porquê, mas persistia em carregar consigo a culpa e sofrimento de um passado que nunca mudaria. Descobriu que existem prisões sem portas, de onde é difícil fugir. Era desafiada todos os dias a libertar-se dessa prisão. Ansiava pela felicidade, como qualquer pessoa, mas o medo de arriscar novamente a impedia de tomar uma decisão que mudaria tudo: seguir em frente…

Assim eram os dias de Maria… parada diante da janela, à espera de um tal Severino que um dia a tornou a mulher mais feliz do mundo e, no outro, a mais triste. Sonhava em reencontrar aquele que despedaçou o seu coração, contando-lhe uma outra versão da sua triste história, uma versão em que era possível um final feliz, mas ele nunca apareceu. A desilusão foi maior do que o breve sonho de amor que viveu. “Parece que finais felizes só existem em contos de fadas”, pensou. Há muito tempo aceitou sua triste condição. Descobriu-se grávida poucos meses depois da morte do seu pai e do desaparecimento do seu noivo. E hoje faziam sete anos daquele doloroso episódio. Seu filho lhe deu forças para continuar sua caminhada, foi por ele que se manteve viva todo esse tempo. Esvaziando-se de qualquer esperança de felicidade, trabalhou em dobro para se sustentar e ao seu filho. Nunca reclamou. Tentou incansavelmente abandonar a dor que carregava, mas sempre fracassava. Sem se dar conta, trancou-se em seu próprio mundo. Fechou as portas e janelas do seu coração, sentia-se conformada finalmente. Há muito tempo, a luz do sol não ocupar os espaços vazios do seu interior. Maria já havia desistido do amor quando um sabiá cantou em sua janela…

Portas e janelas fechadas… Era um dia como outro qualquer. Ouvindo o canto de um sabiá que pousou do lado de fora, preocupou-se em si proteger de um sentimento que começava a surgir dentro de si. Decidiu apenas observar a sombra que a presença do pássaro projetava nos espaços vazios entre a madeira. Apesar das inúmeras trancas, portas e janelas, não podiam conter o doce som que vinha do lado de fora. Aquela melodia acalmava seu coração partido e a fazia querer sorrir novamente. O gracioso sabiá soube esperar o tempo de Maria. Ela, por sua vez, admirava a sua persistência. Pensava, “ como alguém, sendo tão rejeitado, insiste em me fazer acreditar no amor? ”. Curiosa e agora destemida, decidiu permite-se conhecer aquele sentimento que se formava dentro dela. Uma nova história começava a ser escrita nas páginas da vida de Maria. As muitas amarguras e dores do seu passado estavam sendo substituídas pela esperança de um futuro melhor.

Ouvindo o canto de um pássaro nas portas e janelas de sua alma, Maria redescobriu a felicidade. Finalmente, diante de janelas e portas abertas, conseguiu contemplar um novo horizonte. Percebeu que passou muito tempo sofrendo por um passado que nunca mudaria. Aceitou que a vida nem sempre é feita de boas escolhas e que as alegrias escondidas nas pequenas coisas da vida devem ser abraçadas e cultivadas cotidianamente. Hoje, mais madura, entendeu que é preciso estar atenta e sensível a felicidade quando ela surgir, buscá-la nas coisas simples do dia…. Num abraço, num sorriso, num olhar carinhoso e, por que não dizer, na doce melodia do seu sabiá?

“ Voe comigo? ”, cantarolou o sabiá. E ela, sem medo de bater as asas, voou… Fim!!!

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Americo Queiroz Jr.
Professor, Pedagogo, Especialista em Gestão de Recursos Humanos, Consultor de Desempenho Organizacional e Amante da Literatura. Transforma o seu cotidiano em palavras e convida os leitores a reflexões sobre a vida e o modo de viver. Atualmente tem como missão pessoal auxiliar pessoas a escreverem a sua própria história.
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